A PALHA DE CAFÉ, O BIOCHAR E O COMPOSTO TROPICAL(OU COMO TRANSFORMAR 640 MILHÕES EM 5,1 BILHÕES, EM 40 DIAS)

A PALHA DE CAFÉ, O BIOCHAR E O COMPOSTO TROPICAL(OU COMO TRANSFORMAR 640 MILHÕES EM 5,1 BILHÕES, EM 40 DIAS)

Um quilo de café beneficiado, gera um quilo de palha também. Os 2,25 milhões de hectares brasileiros de café geram em torno de 3,2 milhões de toneladas/ano de café. E outro tanto desse de palha ou casca. E….o que fazemos com ela?

Soube de um produtor que jogava a palha do café na represa de Furnas, no sul de Minas. Alguns a usam como combustível, no secador. Pequenos produtores, não todos, costumam deixar a palha para o prestador de serviços que beneficia seu café.

A maioria dos produtores devolve a palha para a lavoura, mas muitos o fazem depois que ela, armazenada em montes, já tomou várias chuvas, soltou chorume por baixo, às vezes até pegou fogo, por causa da fermentação que ocorre nessa situação. Quando aplicam o que restou dela na lavoura, a palha já perdeu mais da metade do Carbono, do Nitrogênio, do Potássio, entre outros elementos.

Dentro do antigo paradigma (infelizmente ainda majoritário) de valorização dos resíduos de acordo com seus teores de nutrientes minerais, a tonelada de palha de café representa algo em torno de 200 reais, considerando seus teores de macronutrientes. Então, para a maioria, a conta está feita. Existem, na palha que produzimos anualmente, 3,2 milhões de toneladas x 200 reais de nutrientes, ou seja, R$640.000.000,00 de fertilizantes a menos que poderíamos importar, por ano. A grande maioria dos produtores (e técnicos) porém, não abate essa quantidade, na hora de receitar/comprar o fertilizante.

Já no paradigma emergente (felizmente crescendo a passos largos), que considera o solo um ser vivo e multi-específico, o nutriente mais importante e valioso é o Carbono orgânico, fonte de alimento para toda espécie de vida na Terra. Isso inclui os organismos vivos do solo, o “motor” que faz o solo funcionar com menos inputs externos (insumos). Nas regiões próximas às raízes de uma planta (rizosfera) eles são a “orquestra” e a planta, o maestro.

Pois bem, a palha de café tem, no mínimo, 40% de seu peso em Carbono orgânico. Quanto vale isso? Essa é a grande questão que levanto aqui. Para tentar responder, vou considerar apenas três, dos diferentes modos de uso dessa palha: o mais comum no Brasil, o que é mais estudado atualmente e o que considero o melhor de todos.

O uso mais comum no Brasil é devolver a palha à lavoura, aplicando-a na superfície, debaixo do pé de café. Nessa situação, perde-se para a atmosfera, em média mais de 90% do Carbono orgânico, na forma de dióxido de Carbono, o famoso CO2 . Essa perda significa algo em torno de 580Kg de Carbono/ha/ano, se considerarmos a média de aplicação de 1.560Kg palha/ha. Os nutrientes minerais também são mal aproveitados. Perde-se mais da metade do Nitrogênio (volatilização e lixiviação), e do Potássio (lixiviação), por exemplo.

A palha crua na maioria das vezes, contém sementes de plantas invasoras, como a corda-de-viola, por exemplo, além de nematoides e fitopatógenos, de forma que, ao devolvê-la para a lavoura, estamos também “semeando” todos esses problemas junto com ela.

Outro aspecto importante é que a densidade da palha do café é de cerca de 0,2Kg/litro. Significa que a operação para devolvê-la na lavoura demora muito e consome muito combustível (mais CO2 indo para a atmosfera). As ruas do café são estreitas e o cenário muitas vezes é de montanha. Por isso os implementos (quando possível) para aplicação da palha possuem uma capacidade volumétrica pequena, raramente ultrapassa os 5m3. Na maioria das vezes, a aplicação é manual! E é exatamente por utilizar mão de obra e máquinas por muito tempo, que o produtor acaba priorizando, é claro, a colheita e, posteriormente, outros tratos culturais que se tornam urgentes, com a chegada das chuvas, na primavera. Aí o monte de palha começa a tomar chuvas e o estrago está feito.

A conclusão é óbvia: a aplicação da palha crua na lavoura é operação demorada, cara e de baixa eficiência, considerando as perdas e problemas relatados.

O uso mais estudado atualmente no mundo, é a queima da palha na ausência (ou quase) de Oxigênio, processo conhecido por pirólise. A ideia surgiu a partir da descoberta de manchas de solo altamente férteis na Amazonia, em locais que abrigaram as habitações de antigas civilizações que faziam uso do fogo no seu dia a dia. Os resíduos enterrados desses povos foram chamados de “terra-preta-de-índio”. A pirólise lenta de resíduos vegetais ricos em Carbono, gera gás, bio-óleo e uma parte sólida, batizada de Biochar, que tenta “mimetizar” essa terra preta.

Existem vários fatores que influenciam enormemente a qualidade do Biochar produzido. Os principais (entre outros) são:

  1. A velocidade ou taxa de aquecimento;
  2. A temperatura final atingida;
  3. O tempo gasto na pirólise;
  4. A pressão utilizada;
  5. O tipo de resíduo usado.

Os principais benefícios da aplicação no solo, de um Biochar de boa qualidade, relatados nas pesquisas, são:

  1. Melhora a estrutura física e a capacidade do solo em reter água;
  2. Ajuda na correção do pH;
  3. Melhora a capacidade de troca de cátions do solo;
  4. Serve de “abrigo” para microrganismos e alimento para alguns fungos do solo (Basidiomicetos);
  5. Fornece minerais para as plantas;
  6. Fixa Carbono no solo por décadas, pois é resistente à decomposição.


De acordo com alguns autores, o rendimento de uma pirólise lenta da palha de café, é em torno de 35% da matéria inicial, ou seja, uma tonelada de palha seca geraria 350Kg de Biochar. Alguns desses autores informam que os benefícios citados acima foram verificados quando doses acima de 10 toneladas/ha foram utilizadas. Isso significa que, para obtermos os melhores resultados, gastaríamos, no mínimo, 29 toneladas de palha/ha, sendo que a produção média é de apenas 1,5 t/ha.

Sobre servir de alimento para a biota edáfica, sabe-se que a porção lábil do Carbono contido no Biochar é muito pequena para proporcionar esse efeito de forma significativa. A melhor forma de aplicação, os trabalhos dizem ser incorporado ao solo, o que significaria seu revolvimento, literalmente “queimando” (oxidando) a matéria orgânica, na contramão do benefício relatado, o sequestro de Carbono.

Em resumo, para se obter os benefícios constatados nos trabalhos científicos, teríamos que investir quase 10 vezes a quantidade de palha produzida naquela área. Uma lavoura de 100 hectares, por exemplo, produziria Biochar para apenas 10 hectares, ficando os outros 90 sem aplicação. Ainda teríamos que revolver o solo, perdendo matéria orgânica antes mesmo de ganhá-la. Por último, quero enfatizar que a operação de transformação da palha em Biochar (pirólise lenta) requer equipamento caro e específico, além de mão de obra treinada, já que a qualidade é fundamental para que os resultados aconteçam.

O uso que considero o melhor de todos, para a palha de café, é sem dúvida como ingrediente de uma compostagem tropical. A palha pode entrar na receita do composto na proporção máxima de 60% da massa seca. Dentro dos 40% restantes, precisa estar presente algum resíduo que tenha um pouco de “liga”, como um esterco, uma torta de filtro de usina ou um capim verde picado. Assim conseguimos proporcionar a umidade adequada para o processo. Na prática, a maioria dos produtores têm utilizado 30% de palha na receita, e o restantes de outros materiais, incluindo muitas vezes um pouco de rochas remineralizadoras também. Desta forma a palha produzida na fazenda é suficiente para toda a área.

A compostagem tropical é uma maneira mais rápida de se compostar resíduos, com muitas vantagens sobre a compostagem convencional. Podemos descrever o processo detalhadamente, em uma próxima publicação. Aqui apenas citaremos algumas vantagens comparativas:

  1. As perdas de massa durante o processo (na forma de CO2) são de duas a três vezes menores (20% contra 55%, na média);
  2. O tempo de execução é menos da metade do processo convencional (30 a 40 dias, contra 90 a 120 dias);
  3. O composto assim produzido é um substrato pré e probiótico para o solo, ou seja, é excelente para alimentar a biota edáfica, além de ser um multi-inoculante microbiano.
  4. É também um adubo de liberação gradual, já que os nutrientes minerais são complexados na matéria orgânica. Além de reduzir drasticamente as perdas comparando-se aos adubos químicos altamente solúveis, a curva de liberação fica mais parecida com a de absorção, por parte da planta, daqueles minerais.
  5. A dose média, utilizada em cafezais, é em torno de 5 a 6t/ha. Nessa dose, já suprimos 100% da necessidade de Fósforo da lavoura, e boa parte, mas não toda, a necessidade dos demais nutrientes.
  6. A densidade do composto pronto é de cerca de 0,7 a 0,8Kg/litro, ou seja, quase 4 vezes a da palha crua e umas 3 vezes a do Biochar, significando muito menos “viagens” para sua aplicação na lavoura.
  7. Os principais “ingredientes ativos” de uma compostagem tropical bem feita, são: uma comunidade microbiana altamente benéfica para o solo e as plantas, nutrientes minerais complexados, bons teores de ácidos orgânicos (húmico e fúlvico), aminoácidos, substrato para a biota, entre outros. Ao somarmos os valores de mercado de cada um desses ingredientes nas quantidades encontradas em uma tonelada de composto tropical, chegamos a um valor em torno de oito vezes maior que o custo de produção desse composto. Daí o título desse texto.

 
Conclusão:
A palha como ingrediente da compostagem tropical, faz muito mais sentido para a cafeicultura brasileira do que o Biochar. Além do maior percentual de aproveitamento e dos demais argumentos citados, nossos solos vivem de fluxos de carbono orgânico, não de estoques de carbono recalcitrante, quase todo “não comestível”, no curto prazo.

Uma floresta temperada produz algo em torno de 10 a 12t biomassa/ha/ano. E a ciclagem dessa biomassa, considerando o Carbono do solo, demora de 20 a 40 anos para acontecer. A floresta tropical, por sua vez, produz de 60 a 65t/ha de biomassa no mesmo período. E nos solos tropicais, porque temos temperaturas e radiação solar durante o ano inteiro para tal, o Carbono orgânico é reciclado pelos microrganismos em apenas 2 anos!

Isso nos mostra que o sucesso da agricultura tropical passa pela maior velocidade de produção e decomposição de biomassa no solo. A produção (fotossíntese) e a decomposição (organismos do solo), fazem parte do mesmo ciclo, o ciclo do Carbono, o ciclo da vida! A melhor forma de aumentarmos o Carbono nos solos tropicais é, portanto, promover e permitir o aumento da vida contida dentro dele.

Antonio Teixeira

Antonio Teixeira

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