BIOMIMÉTICA URBANA: A INTELIGÊNCIA DA VIDA APLICADA AOS MUNICÍPIOS

BIOMIMÉTICA URBANA: A INTELIGÊNCIA DA VIDA APLICADA AOS MUNICÍPIOS

Além da água, a molécula fundamental da estrutura de todos os seres vivos é o Carbono. Ela é a base das biomoléculas orgânicas, como proteínas, DNA, lipídios, carboidratos. O ciclo do Carbono pode ser dividido em duas dimensões, que se complementam: a geológica e a biológica. Na geológica, o Carbono circula pelas rochas, solo, água e ar. Na dimensão biológica, as plantas absorvem o CO2 da atmosfera e o transformam em carboidratos, através da fotossíntese. A partir dessa produção, as moléculas orgânicas à base de Carbono são passadas de um ser vivo ao outro, liberando a cada etapa, um pouco de CO2 de volta à atmosfera. Isso constitui o que chamamos de a teia alimentar do Planeta.

Para viver, os seres precisam se alimentar. Porém, à exceção dos produtores (vegetais e algumas algas), somos todos consumidores e excretores de moléculas orgânicas. Com relação aos produtores de alimentos (as plantas), percebemos que são seres fixos, não possuem mobilidade, como os demais. No entanto, e talvez por isso, durante seu processo evolutivo, desenvolveram parcerias estratégicas com as demais formas de vida, no interior do solo. Dessa forma, ampliaram significativamente sua capacidade de absorver água e nutrientes minerais.

Esses organismos do solo são, por sua vez, alimentados pela planta, através da exsudação radicular de biomoléculas orgânicas. É interessante notar que a planta possui a capacidade de exsudar diferentes moléculas, de forma a atrair para perto de suas raízes, diferentes grupos de microrganismos, conforme a sua necessidade.

Dentro do solo, existem diversos serviços fundamentais, ou ecossistêmicos, executados pelos seres vivos (macro e microrganismos) que ali habitam. Participam dos diversos ciclos vitais, como o do Nitrogênio, do Fósforo, do Enxofre, da matéria orgânica. Neste último, após a ação dos organismos maiores, entram em campo os fungos e bactérias, entre outros, para decompor os materiais orgânicos em moléculas mais simples, ajudando a solubilizar elementos minerais, disponibilizando-os às plantas. Resumindo: além de se alimentarem dos materiais orgânicos presentes no solo (restos de folhas, raízes e organismos mortos), os organismos do solo são também alimentados pelas plantas, para que realizem serviços fundamentais para elas.

Talvez o exemplo mais conhecido dessa parceria, seja a simbiose entre plantas e bactérias fixadoras de Nitrogênio atmosférico. Apesar de representar cerca de 78% do ar que respiramos, nem nós, nem as plantas, conseguimos absorvê-lo. Mas essas bactérias conseguem fazer isso, absorvendo o N2 atmosférico, transformando-o em formas de N utilizáveis pelas plantas e por nós. Em troca desse serviço, a planta as deixa penetrar e morar dentro de suas raízes, onde podem ser alimentadas usando parte dos carboidratos que a planta produz, na fotossíntese. Ou seja: casa e comida, em troca de Nitrogênio assimilável.

Do ponto de vista da estrutura de Carbono que todos somos, essa é a inteligência da vida: passá-lo de mão em mão, liberando a cada etapa, um pouco da energia do sol que foi capturada pelas plantas. Portanto, em última análise, todos nos alimentamos de energia do sol transformada.

Aprendendo com o ciclo do Carbono no Planeta, especialmente na sua dimensão biológica, podemos aplicar os mesmos princípios para melhorar sensivelmente a gestão da matéria orgânica nas cidades, ou melhor, nos municípios. Nesse sentido, daremos aqui um exemplo bem simples, mas de consequências grandiosas, em termos de melhoria da qualidade de vida de seus habitantes.

Restos de poda de árvores, arbustos e gramados, somados aos resíduos de alimentos, residenciais, industriais ou públicos, formam uma dobradinha quase perfeita, em termos de matéria prima para a fabricação de um adubo orgânico de qualidade bem superior aos fertilizantes químicos importados. No entanto, para que isso aconteça, é necessário que a parte técnica seja conduzida de forma adequada, de forma que o processo fermentativo da matéria orgânica imite o mais próximo possível, o que acontece na natureza.

A compostagem dos resíduos orgânicos é um processo fermentativo que pode variar quase ao infinito, em termos de qualidade do produto final. Quando mal-conduzida, é fétida, atrai moscas e urubus, libera gases e chorumes que contaminam o ambiente. Quando bem conduzida, promove a economia circular de forma espetacular, gerando um adubo sem cheiro, sem nenhum tipo de contaminação ambiental, e que contribui, de forma decisiva, para a melhoria dos resultados dos produtores de alimentos do município.

Em países tropicais, como o nosso, o processo de compostar materiais orgânicos, deve ser rápido, aeróbico e com algumas variáveis controladas, como teor de umidade e relação C/N (Carbono/Nitrogênio). Dessa forma, restos de poda e de alimentos, que são fontes de Carbono circulante, fazem parte do ciclo biológico, e não devem simplesmente ser enterrados ou queimados. Devem, isso sim, ter uma gestão inteligente de nossa parte, espelhada nos processos naturais, que permita sua conservação e distribuição, por toda a teia alimentar.

Podemos, dessa forma, retornar o “lixo orgânico” à cadeia de produção dos alimentos, melhorando a qualidade destes, reduzindo drasticamente a necessidade de pesticidas e químicos, além de melhorar a renda dos produtores de alimentos do município. Ambiente, solo, alimentos, consequentemente pessoas, saudáveis!

Não se trata de “dar fim aos resíduos ou passivos”, muito menos de “produzir um adubo barato”, não. É muito mais que isso. Estamos falando de mimetizar a natureza em seu ciclo (talvez) mais nobre: o da própria vida. Como dizia a Dra. Ana Maria Primavesi, patrona da Agroecologia no Brasil, “vocês se preocupam muito com elefantes e leões, enquanto os microrganismos, invisíveis, é que possibilitam e organizam a vida na Terra, através de seus processos fermentativos”.

Antonio Teixeira

Antonio Teixeira

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