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LEITURAS

TEMPLO PROFANADO

Autor: Antonio Teixeira

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

TEMPLO PROFANADO

José acelerou ao máximo seu caminhão de lixo. Seguia pela rua a toda velocidade. Em seu acesso de loucura, entrou com tudo na igreja, derrubando a porta da frente e um pedaço da parede. Já dentro daquele templo religioso, descarregou no chão todo o lixo contido na caçamba. Ao escutar aquele barulho enorme, o padre veio correndo ver o que acontecia. Então José, o motorista, desceu da cabine e, portando um revólver 38 e xingando palavrões, atirou contra o sacerdote, que já caiu morto ali mesmo, perto do altar. Em seguida José se suicidou, atirando contra o próprio peito.

Ao ouvir aqueles estampidos de arma de fogo, o povo da pequena cidade foi chegando devagar. A cena era impressionante: um caminhão de lixo enfiado dentro da igreja, a parede da frente destruída e lá dentro, dois corpos no chão. Que tragédia horrível! Todos comentavam. Como pôde acontecer?

Pois é... mas aconteceu. Foi em uma igreja católica, mas poderia ter sido em uma evangélica, em um centro espírita ou em qualquer templo religioso. A gravidade do fato não teria sido menor, concorda?

Que tipo de forças, podem ter levado esse motorista a cometer essa insanidade? Será que ele estava no controle de sua mente? Será que estava lúcido e equilibrado? Teria sido uma decisão consciente? Quem sabe terrorismo?

Sobre isso, tenho a dizer que a perícia feita, constatou que o homem não tinha nenhum vestígio de álcool ou qualquer droga em sua amostra de sangue, coletada logo após a morte do indivíduo. As entrevistas com os parentes e amigos, possibilitaram aos investigadores concluir que José, aparentemente, não sofria de nenhum distúrbio mental. Também foi descartada a hipótese de terrorismo, já que José era semianalfabeto, não tinha computador e nem celular, e trabalhava na empresa há quinze anos.

Qual seria então a explicação para um fato tão brutal? Afinal, um templo sagrado foi profanado! Isso é muito sério para não termos uma explicação plausível. Bem, enquanto os estudiosos tentam chegar a alguma conclusão, vamos fazer aqui algumas reflexões. Guardadas as devidas proporções e em outro nível de consciência e amplitude, o que estamos fazendo com o maior de todos os nossos templos?

E qual seria ele? A igreja católica, a evangélica, o templo budista, ou.... a própria Natureza? Bem... eu creio ser essa última o maior de todos os templos divinos. A Natureza é o altar, onde Deus deposita para todos nós suas maravilhosas dádivas. Tudo, absolutamente tudo o que precisamos para uma vida plena e feliz, nos é oferecido nesse altar divino. Água pura, solo fértil, as matas, os animais, as plantas que nos alimentam, que nos curam, o canto dos pássaros, as flores, as mais lindas paisagens....

Pois bem, sendo então a Natureza o maior de todos os templos, quando despejamos sobre ela o nosso lixo e matamos os seres que a habitam, não estaríamos cometendo um crime igual ou pior que o do caminhoneiro infeliz que matou o padre? Talvez a diferença maior seja a questão do suicídio, pois ao invés de uma bala no peito, como fez José, condenamos toda a humanidade a um suicídio lento e doloroso, que pode durar várias gerações. Suicídio porque ela própria, a humanidade, é quem escolhe seu destino, na medida em que destrói todas as possibilidades oferecidas por esse altar divino.

Falo das ações inconsequentes que temos cometido, enquanto humanidade, e que têm como causas principais a nossa ignorância, nossa inconsequência e a nossa ganância. Somos ignorantes quando agimos contra esse altar divino sem saber as consequências dessas nossas ações. Somos inconsequentes quando, além de não sabermos, não queremos saber. E, somos gananciosos, quando adicionamos à nossa ignorância e inconsequência, alguns quilos de egoísmo.

Nas cidades, cometemos nossas ignorâncias e inconsequências de várias maneiras, mesmo já tendo, todas elas, suas consequências destruidoras conhecidas. Gastamos água demais, jogamos esgoto nos cursos d’água, desrespeitamos várzeas e nascentes, cortamos árvores sem necessidade, planejamos muito mal o crescimento das cidades.

No campo, nossos desacertos são outros. Em geral, os produtores rurais têm mais consciência ambiental que os cidadãos urbanos. Porque é uma consciência prática, filha da convivência. Não é um conceito lido, intelectualizado; é fruto de um modo de viver. No entanto, em geral não se aplica a maioria das grandes empresas rurais, cujas bases e o dono vieram de grandes cidades.

Os grandes erros cometidos pelos produtores foram plantados em suas mentes pelas empresas que vendem insumos tóxicos. Foram décadas de investimentos, por parte dos fabricantes de agrotóxicos e de adubos químicos, até chegarmos onde estamos hoje.

O atual conceito de agronegócio é resultado de bilhões, talvez trilhões de dólares investidos em pesquisas, marketing e comércio, ao longo dos últimos 50 anos. Construiu-se uma ideia, bem consolidada, de que é necessário consumir tais produtos em grande quantidade, se quisermos produzir alimentos de forma lucrativa. E criou-se uma imagem de que o uso de tais produtos é seguro e, mais que isso, sinônimo de alta tecnologia!

Então, a grande maioria dos produtores de alimentos acaba por se convencer, ou às vezes se submeter, diante de tamanho poderio econômico e “científico”. As empresas que têm por objetivo vender seus produtos, “fornecem” aos produtores o conhecimento científico, os insumos necessários, a assistência técnica e até o financiamento da safra. Fica muito difícil para o produtor, conseguir se libertar desse ciclo. O domínio é simplesmente avassalador.

Dessa forma, e em nome da lucratividade, do combate à fome e de outras “bandeiras” populistas, a destruição do Templo Sagrado da Natureza vai acontecendo. E o lento

suicídio coletivo também. A palavra “sustentável”, colocada estrategicamente aqui ou ali, serve para mascarar, esconder, justificar e tranquilizar os ignorantes no assunto.

Esses insumos tóxicos, com o tempo, vão matando toda a vida existente no interior dos solos. Minhocas, protozoários, nematoides, algas, fungos e bactérias, entre outros, são paulatinamente diminuídos, até que o solo perca sua biodiversidade e precise de cada vez mais insumos tóxicos para conseguir continuar produzindo. Além de destruir o palco da vida, isso encarece os alimentos e intoxica as pessoas. Mas nos é oferecido como “a única forma viável de produzir alimentos em larga escala”.

José, o motorista, destruiu um templo construído por homens. Mas não podemos mais deixar que pessoas continuem destruindo nossos solos e rios. Alguns são acionistas anônimos, simplesmente torcendo pela valorização das ações dessas empresas, a qualquer custo. E a sua miopia os impede de enxergar que estão comprometendo a vida de seus próprios herdeiros!

Felizmente, a consciência de que todos precisamos desse templo sagrado, a Terra, parece crescer, principalmente entre os jovens. Que cresça rápido, para não comprometer de forma definitiva a vida dos que virão.

E para que o Templo Divino não seja mais profanado dessa forma, a mais hipócrita do mundo: em nome da fome, em nome da ciência, e em nome de Deus!

Antonio Teixeira