Back to Top icon-agroecologiaicon-calendario icon-consultoresicon-consultoriaicon-emailicon-facebookicon-folhaicon-instagranicon-jornalicon-leituras icon-pag-contatoicon-pag-eventosicon-pag-galeriaicon-pag-servicosicon-plataforma-consultoresicon-plus icon-seta-next-paginacaoicon-seta-nexticon-seta-prev-paginacaoicon-seta-previcon-whatsapp

LEITURAS

AS RECOMENDAÇÕES DE ADUBAÇÃO E A NATUREZA SISTÊMICA DO SOLO

Autor: Antonio Teixeira

terça-feira, 2 de abril de 2024

AS RECOMENDAÇÕES DE ADUBAÇÃO E A NATUREZA SISTÊMICA DO SOLO

Se há uma prática que todos os técnicos e agrônomos recomendam, na produção agrícola, é a da análise de solo, certo? Ela se tornou praticamente obrigatória, e instrumento básico, quando não o único, a partir do qual se calculam as correções e adubações necessárias. No Brasil inteiro, especialmente nas grandes lavouras, todos elogiam a “agricultura de precisão”, aquela que possibilita enxergarmos as “diferenças” do solo e, assim, realizarmos as correções/adubações em taxa variável, isto é, colocando mais onde tem menos, e menos onde tem mais.

É tudo muito prático. As amostras, pequenas porções do solo, são retiradas e encaminhadas ao laboratório, onde são submetidas à ação de ácidos fracos, chamados de “extratores”, a fim de quantificar elementos minerais “extraíveis”, teoricamente simulando a ação das raízes das plantas. A partir dos resultados, são construídos, para cada elemento mineral, os “mapas” que mostram em cores diferentes, a resposta dessas porções de solo ao extrator utilizado.

Essas respostas são representadas pelas quantidades dos chamados macro e microelementos efetivamente extraídas. Também são determinados o pH, o teor de matéria orgânica e, através de cálculos que utilizam aquelas quantidades encontradas, a CTC e o V% entre outros.

Então, os resultados são agrupados em “faixas” ou categorias do tipo baixo/médio/alto, escolhendo-se uma cor para cada uma delas, no mapa. Finalmente, utilizando algumas variáveis do tipo produtividade esperada, teor de argila, extração da cultura, e algumas fórmulas matemáticas, calcula-se a quantidade e o tipo de correção/adubação para aquele caso.

Essa é a trajetória mais comum, para se chegar em uma recomendação, que quase corresponde a uma receita, na medicina. É a partir dela que o produtor se movimenta para adquirir os corretivos e fertilizantes que usará na próxima safra. Eles representam uma parte importante do custo de produção. Só para exemplificar, para se adubar mil hectares de soja, ou 200 de café, o valor hoje pode passar de um milhão de reais.

Acontece que a análise de solo, sua interpretação e a posterior recomendação da adubação, estão bem longe, muito longe mesmo, de ser uma prática precisa. A generalização nos leva a erros enormes, bem grosseiros. Porque existem muitas variáveis que sequer são consideradas. Por exemplo, podemos estar gastando o dobro do que precisamos. E podemos colher bem menos, por ter aplicado pouco ou mesmo muito adubo; também por usarmos uma proporção ou um tipo de adubo inadequados.

Isso acontece, fundamentalmente, porque a maior parte do fertilizante aplicado ao solo, sequer entra dentro da planta. Por outro lado, dependendo da quantidade aplicada, podemos reduzir drasticamente a funcionalidade natural daquele solo. Sim, afetamos os fluxos de massa e de energia do sistema solo-planta. Existem muitas coisas acontecendo no solo, a partir do momento que o adubamos e antes mesmo que as plantas comecem a se beneficiar desse adubo. Mas esse assunto fica para o próximo texto.

OK, o que sugere então, Antonio? A minha proposta é fazermos uma reflexão e tentarmos enxergar o problema de fora, como se fôssemos alguém ainda não familiarizado/acostumado/automatizado com a metodologia utilizada para se recomendar correções e adubações de solo, a partir das “análises” de pequenas frações dele.

E vou complicar a questão só mais um pouquinho; espero que acompanhe o raciocínio. Consulte qualquer dicionário e verifique o significado da palavra análise:

Análise: Separação, para estudo, de um todo em seus elementos ou partes componentes.

Agora, vejamos a definição de solo, segundo a própria EMBRAPA:

- O solo é um sistema aberto, constantemente sob ação dos fluxos de matéria e energia, o que o torna um sistema dinâmico, ou seja, o solo evolui, se desenvolve e se forma de maneira contínua no ambiente em que está inserido.

Pois bem.... disse Fritjof Capra, um dos maiores físicos e pensadores de nossa época, autor de vários best-sellers....

“De acordo com a visão sistêmica, as propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo, são propriedades do todo, propriedades que nenhuma das partes possui. Elas surgem a partir das interações e relações entre as partes. Essas propriedades são destruídas, quando o sistema é dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados.... Sistemas vivos não podem ser compreendidos por meio de análise.” (do livro A visão sistêmica da vida, pg 95-96, ed. Cultrix).

Percebe? Não é preciso cursar Agronomia para enxergar que estamos diante de um impasse: ou o solo não é um sistema, ou não se pode analisá-lo. A resposta a essa pergunta é fácil, já que ninguém conseguirá provar que o solo não seja um sistema. Portanto, se é um sistema, não pode ser analisado!

Nesse momento da nossa conversa, você pode ter pensado: então não devemos fazer análises de solo? A minha resposta: é sim, uma ferramenta que gera informações úteis, para se construir a recomendação dos corretivos e fertilizantes a serem aplicados naquele solo. Mas nunca deveria ser a única e suficiente para isso.

As tentativas de “inovação” nessa área, seguem a mesma visão reducionista, ou seja, vamos pegar algumas gramas desse solo e quantificar também algumas enzimas/metabólitos que denunciem a atividade de determinados grupos de microrganismos e, a partir daí, inferir que a dimensão biológica está ou não ok, portanto o manejo desse solo está ou não o degradando. Mais uma vez eu digo: ferramenta útil, porém insuficiente.

E quanto às “análises” físicas, o que me diz? Digo que aquelas em que você pega um pedacinho de solo e leva para o laboratório, seguem a mesma lógica, ou seja, uma ferramenta que gera informações úteis, mas incapaz, por si, de analisar o solo. Já aquelas feitas diretamente no local, eu as coloco em um patamar superior. Exemplos? A resistência à penetração de uma haste metálica, a observação atenta de uma trincheira aberta no solo, a aplicação do método DRES da EMBRAPA, o infiltrômetro, entre outros. Por quê? Porque são informações obtidas diretamente do sistema em funcionamento, e não pequenos fragmentos já desconectados do todo e, portanto, incapazes de refleti-lo.

Um pouco melhor ainda que as “análises” físicas feitas “in locum”, são as observações/mensurações feitas nas plantas que estão inseridas nesse solo. Aí é um capítulo à parte, que não pretendo aprofundar hoje. Mas, só para você ter uma noção do raciocínio, seria o caso, não apenas de mensurar o quão verde e produtiva estão as plantas, mas de quantificar sua resistência às doenças e pragas, seu grau brix, a qualidade nutricional, o tempo de prateleira, sua resistência aos estresses abióticos, e por aí vai. Dessa forma teríamos informações importantes a respeito das consequências do “estado atual” daquele solo, sobre as plantas nele inseridas.

É preciso um pouco de cuidado ao interpretar/avaliar a saúde das plantas sobre um solo. Da mesma forma que você conhece pessoas que, aparentemente gozam de boa saúde no momento, utilizando-se de meios, digamos “artificiais/imediatistas”, existem algumas práticas agrícolas que promovem temporariamente bons, e até ótimos resultados, mas que não são sustentáveis, ao longo do tempo. Significa, em bom português, que “uma hora a casa cai”; traduzindo, não são ações que se sustentam ao longo dos anos.

Dessa forma, chego aqui a três conclusões, para terminar esse texto, mas ainda muito longe de terminar essa discussão:

1ª) Organismos vivos e multiespecíficos, como o seu, o meu e o solo, não devem ser “analisados”. Devemos compreendê-los com visão sistêmica/holística, a partir do seu funcionamento vivo e dinâmico, não a partir da dissecação de suas partes.

2ª) A mensuração de elementos isolados, retirados da dinâmica sistêmica do organismo vivo, são exames que servem para fornecer informações, mais ou menos relevantes para a tomada de decisão, principalmente na falta de uma compreensão do sistema como um todo.

3ª) Se nos basearmos nas análises, especialmente apenas na química, para tomarmos decisões quanto à adubação, podemos estar errando longe, apesar da precisão na retirada da amostra; e esse erro pode representar milhões de reais a menos para o produtor, ou até mesmo a destruição daquele solo, no longo prazo.

Me concentrei aqui em demonstrar o problema das recomendações de adubação baseadas nas análises de solo, incluindo aqui a “agricultura de precisão”. O próximo texto será dedicado a sugerir algumas alternativas para solução desse problema.

Antonio Teixeira